<i>Pelmas</i> para ele

Anabela Fino

Isto é uma espécie de confissão só tornada possível pela proximidade das eleições e – a custo o reconheço – pela intervenção do vice-primeiro-ministro português, Paulo Portas de seu nome.

Não é fácil, mas cá vai: de há uns dias a esta parte é-me quase impossível olhar para alguém do sexo masculino sem me sentir invadida por sentimentos de compaixão e maternal ternura. Vejo um e penso logo «coitadinho, deve ter as meias por lavar»; vejo outro e de imediato fico numa aflição, cogitando para os meus botões que «se deve ter esquecido de pagar a renda de casa». Dos velhos e das crianças nem é bom falar, ninguém imagina a vontade que me dá de lhes perguntar se têm lá em casa uma mãe, uma avó, uma tia, uma irmã, uma empregada que seja que lhes faça a cama, aqueça a sopa, leve ao jardim, dê o xarope... enfim, aquelas mil e uma coisas inerentes à humana condição.

É que eu não sabia, e corria o sério risco de morrer ignorante não fora a intervenção de PP (bendita a hora em que foi pregar às mulheres – pelmas para elas, pelmas para elas, clamou) que os homens, pequenos e grandes, são manifestamente incapazes de fazer coisas comezinhas, certamente por atávica limitação, como «organizar a casa e pagar as contas a dias certos, pensar nos mais velhos e cuidar dos mais novos», pelo que têm de ser as mulheres, essas santas fadas do lar, a tomar conta da ocorrência.

Julgava eu, na minha ingenuidade e ignorância, que isso era uma treta inventada pelo fascismo salazarento, do tempo do obscurantismo, do «deus, pátria e família», quando era de bom tom os homens dizerem «a minha política é o trabalho» e as mulheres não dizerem nada. Erro meu, felizmente não irrevogável, afinal é para isso que existem vice-primeiros-ministos. As mulheres, conservadoras por definição, a quem por descuido foi reconhecido o direito de voto, existem porque fazem falta aos homens, esses imprestáveis valdevinos, que numa hora de desvario até são capazes de trocar o certo pelo incerto, o que em tempo de fazer cruzes pode ser um caso sério. Não fora Portas lembrar-nos do nosso papel e do nosso lugar e seria o descalabro: quem havia de arrumar o País, perdão, a casa, se a fadítica cruzinha mudasse de sítio? Pelmas para ele.

 



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